O Brasil é o país que passa mais tempo online. Segundo uma pesquisa do grupo espanhol Telefónica, que entrevistou 12.171 jovens entre 18 e 30 anos de 27 países, o brasileiro fica ligado na rede aproximadamente 7 horas por dia, 1 hora a mais do que a média mundial.
Essa conexão toda significa muitas conversas por escrito — em e-mails, SMS e vários comunicadores instantâneos, como Hangouts, WhatsApp e Skype. Profissionais com menos de 30 anos, que cresceram habituados ao conforto de se comunicar por aparelhos, têm trazido um novo problema para o trabalho: a relutância em falar pessoalmente. “Eles não têm facilidade para resolver conflitos e definir pontos de vista”, diz Renata Magliocca, gerente de inovação da Cia de Talentos, empresa especializada em recrutamento e seleção de trainees, de São Paulo. “Em uma conversa cara a cara, não podem editar o que dizem.”
Nos Estados Unidos, os profissionais mais novos receberam o apelido de geração texting, uma referência ao hábito de mandar mensagens de texto. A questão vem prejudicando a carreira de muita gente. “Nós sentimos um declínio no nível de português durante alguns processos de seleção, com abuso de abreviações e gírias de internet”, afirma Juliana Cerutti, responsável pela atração e recrutamento da Unimed, unidade Vale do Taquari e Rio Pardo, no Rio Grande do Sul.
A dificuldade em se desligar dos meios digitais vai além da linguagem. Vários jovens passam a restringir ao mundo virtual toda forma de comunicação com os colegas e superiores. De acordo com um levantamento da Lab42, empresa americana de pesquisas do mercado digital, 71% das pessoas entre 13 e 21 anos preferem enviar mensagens em vez de realizar ligações para se comunicar.
É o que acontece com a redatora Ludmila Maia, de 27 anos, que trabalha na agência de publicidade Remix, de São Paulo. “Eu tenho boas ideias quando estou escrevendo, pois consigo organizar melhor meu pensamento”, diz Ludmila, que admite ser introspectiva e ter uma aversão natural à comunicação oral. Atender o telefone é quase impensável para ela. “Parece que todo mundo está prestando atenção em mim. Fico nervosa, acabo me atrapalhando e prejudico o desenvolvimento de meu raciocínio”, afirma.
Para o psicólogo Cristiano Nabuco, coordenador do Grupo de Dependência de Internet do Hospital das Clínicas de São Paulo, esse comportamento é algo que ocorre com frequência e não afeta só os jovens. “Os mais tímidos usam a tecnologia para compensar essa limitação pessoal”, diz Cristiano. À medida que o comportamento se repete, o cérebro associa a situação a uma sensação de bem-estar. “Isso gera um vício comportamental”, diz o psicólogo.
A preferência por construir relações sem contato pessoal pode ser muito prejudicial ao longo da carreira. Mesmo que seja uma profissão mais técnica, desenvolver a habilidade de se relacionar é importante em várias atividades. O contato pessoal deixa reuniões, negociações e momentos de networking mais enriquecedores do que a comunicação por meios eletrônicos. Ao não praticar a conversa franca e cara a cara, o profissional não aperfeiçoa a capacidade de organizar frases longas, de abordar pessoas e de cultivar a empatia durante um contato. Com o tempo, a habilidade de liderança pode ser questionada.
“Um gestor tem de conseguir motivar, resolver conflitos e identificar talentos, e isso requer uma aptidão para se relacionar que vai além do mundo digital”, diz Eline Kullock, presidente do Grupo Foco, empresa de recrutamento e seleção de São Paulo.
Ser alguém que se relaciona bem é, também, uma qualidade estratégica nos dias de hoje. “O mercado está mudando cada vez mais rápido e, se você não está em contato com as pessoas, perde a visão estratégica, porque não consegue entender as necessidades e as vontades mutantes de seu público, que se alteram constantemente”, diz Eline.
A saída para superar um mau hábito é enfrentá-lo. Isso não significa abandonar completamente as mensagens escritas, apenas aprender a identificar que tipo de comunicação é mais indicado para cada situação. “Maturidade é decidir fazer coisas que não são confortáveis”, diz o coach Silvio Celestino, de São Paulo.“Os aplicativos devem ser aliados, e não muletas.”
Viver em sociedade pressupõe se relacionar a todo momento com pessoas dos mais variados comportamentos. Embora seja algo difícil, que cobra de todos nós uma capacidade de dominar as próprias emoções, é necessário se forçar a sair dos limites seguros que a tecnologia nos propõe e “falar na cara” — no bom sentido.
Fonte: Revista Você S/A
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